Repense o mundo, visite um reciclador

Uma chuva de perguntas atordoa as mentes de trabalhadores de um galpão de reciclagem, quando um cidadão qualquer resolve visitar um desses empreendimentos. Mais atônito fica esse cidadão quando começa a entender o que é feito do lixo que ele produz na intimidade de sua residência. Suas perguntas começam a ser respondida ao fitar a gigantesca gaiola. Como um cobrador de ônibus, que no fim do dia, exausto, não agüenta mais ver rostos de todos tipos que pela sua roleta passam - abatidos, eufóricos, tristonhos... - o reciclador cansado de seus duros dias, ao ser perguntado, responde o óbvio do seu rotineiro trabalho. Montanhas de lixo são devoradas por mãos frenéticas, organizando, transportando, transformando o caos do lixo, o caos de todos os odores, de todas as cores.

Quando o lixo sai do caminhão e cai na gaiola do galpão, já se sabe de que bairro veio a carga. Ela é reconhecida pelo tipo de descarte que aparece. Como é muito comum nas calçadas encontrar geladeiras, fogões, microondas em plana condições de funcionamento, assim também das gaiolas do galpão descem os descartes mais inusitados. O ato de rasgar uma sacola transforma-se num momento mágico e surpreendente: restos de pizza e frascos de xampus pela metade já não impressionam tanto. Mas quando descem gaiola a baixo, o licor alemão, restos de tabletes de chocolate suíços e celulares com chipes que ainda permitem falar até 30 dias, tudo se torna inusitado. As respostas destilam-se rapidamente da gaiola para a mesa, da mesa para os fardos, pelas das mãos das recicladoras. Oitenta por cento dessa categoria são mulheres chefe de família.

Um galpão de reciclagem é um local onde as pessoas teriam que passar ao menos um dia durante a sua vida. Lá encontrariam as respostas para boa parte dos dramas cotidianos que vive a humanidade. Se descarta tudo, desde a garrafa pet, saquinho do ruffles, até o discreto pênis de gel e milhares de outras coisas que com certeza, ninguém imaginaria.

Os produtores de montanhas intermináveis de lixo, não tem noção para onde vai o lixo, desde as luxuosas até as miseráveis cozinhas e banheiros de qualquer cidadão de uma cidade. Tanto faz os que descartam os licores alemães ou as quinquilharias “made in china”, com certeza, não titubeariam também em descartar rostos e amores. Esta é a cantilena, cantada e recantada. Descarta-se gentes e coisas, para amanhã consumir outras gentes e outras coisas. Um galpão de reciclagem é um retrato do mundo.

Estamos condenados a superficialidade do consumir pelo consumir. Esta lógica doida, determina agora a relação dos humanos com suas vidas, com seu corpo e com seus afetos. Da mesma forma que o cobrador de ônibus exausto da multidão que passa por ele, o reciclador também exausto saberá que no outro dia aparecerão mais e mais produtos indicado pelas mídias, e novas necessidades incitarão os humanos a descartarem o que foi adquirido ontem.

Assim passa a vida pela roleta, pela gaiola, pelas esteiras da indústria da construção de monstros. No galpão passam os sonhos frustrados de uma humanidade que não agüenta mais a lógica do consumo sem sentido. Não agüenta mais, mas sem saber por que segue consumindo.

Caminhamos como bois num brete em direção ao silencio total. Encontramo-nos no fim de um tempo. onde as razões que estruturam esta forma de olhar a vida, as coisa, e o mundo vai nos devorar. Mas, com certeza, por um longo tempo ainda os recicladores continuarão devorando esse lixo devorador de vidas.



Pedro Figueiredo

Educador Popular

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